quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Gulliver, como outros viajantes, é demasiado minucioso. Jonathan Swift

Nota do editor

O autor destas viagens, senhor Lemuel Gulliver, é meu amigo íntimo desde há muitos anos; estamos também ligados por alguns laços familiares pelo lado materno. Há aproximadamente três anos, o senhor Gulliver, que estava já a fartar-se da multidão de curiosos que invadia a sua casa de Redcriff, comprou um pequeno terreno com uma agradável vivenda perto de Newark, no condado de Nottingham, seu condado natal. É ali onde actualmente vive, reformado e rodeado pela estima dos seus vizinhos.
Ainda que o senhor Gulliver tenha nascido em Nottingham, onde residia o pai, ouvi-lhe dizer que a família provinha de Oxford. Comprovei isso de certa forma quando observei no cemitério de Banbury (Oxford) diversos túmulos e jazigos com o nome de Gulliver.
Antes de abandonar Redcriff entregou-me o manuscrito da obra que aqui publicamos, dando-me a liberdade de dispor dele a meu bel-prazer, Por três vezes o examinei com atenção. O estilo é simples e sem artifícios. E o único defeito que lhe acho é que o autor, como outros viajantes, pormenoriza em excesso. O conjunto manifesta grande dose de veracidade. Com efeito, esta é uma qualidade tão notável neste autor que, ao afirmar-se algo, converteu-se numa máxima, entre os vizinhos de Redcriff, dizer: «É tão verdadeiro como se o senhor Gulliver o tivesse dito.»
Sigo a recomendação de diversas personalidades a quem mostrei o manuscrito com autorização do autor e atrevo-me a apresentá-lo agora ao público. Espero que seja, pelo menos durante algum tempo, um entretenimento mais proveitoso para os jovens nobres que os assuntos dos escritorzecos políticos e partidários.
Este volume teria pelo menos o dobro do tamanho se não tivesse decidido eliminar inúmeros passos relativos a ventos e a marés, explicações sobre variações, ângulos e cartas marítimas, as pormenorizadas descrições de como manobrar um barco numa tempestade.
O mesmo fiz para a relação das longitudes e latitudes. Tenho motivos para temer que o senhor Gulliver possa estar um pouco aborrecido com tudo isso. Mas era meu propósito adequar esta obra à capacidade média dos leitores. No entanto, se a minha ignorância em assuntos de marinharia me levou a cometer alguns erros, toda a responsabilidade deve recair sobre mim. E se qualquer viajante deseja consultar a obra integral, tal como saiu da pena do autor, sentir-me-ei muito feliz em comprazê-lo,
No que respeita a outros pormenores sobre o autor, encontrá-los-á o leitor nas primeiras páginas deste livro.

Richard Sympson


Travels into Several Remote Nations of the World, in four parts. By Lemuel Gulliver, first a surgeon, and then a captain of several ships. London, printed for Benj. Motte, 1726.

Usou-se aqui a tradução de autoria não identificada incluída na edição digital desta obra [http://www.livros-digitais.com].
Há várias edições em português desta obra.
Possuo a da Relógio d'Água, Lisboa, 2010, tradução de Luzia Maria Martins.

1 comentário:

  1. AO SERENISSIMO E INVITISSIMO PRINCEPE O INFANTE DOM LOIS

    Como eu muitas vezes cuidasse em que modo poderia servir Vossa Alteza nesta arte de Cosmografia em que ao presente ando emborilhado, tendo sabido que per invençõis de novos instromentos nam se podia ja achar cousa alguma que em prezensa de Vossa Alteza parecesse nova, e assi vendo o pouco proveito que se tira dos argumentos sotis forjados contra os tristes pilotos e marinheiros, me fiz noutra volta, e prepus em minha vontade de ocupar o pensamento em partes de que os imperitos navegantes podessem tirar algum fruto. E como quer que a todos seja notorio que o ponto principal da navegação e Cosmografia jaz em saber as alturas das cidades, distancia dos lugares, entradas de barras, derrotas de promontorios, mostras e conhecimento das terras, que ordem e concerto tenham entre si as marés, e com isto termos verdadeira emformaçaom do variar das agulhas, parece me cousa justa e neceçaria escrever nesta parte, porque como ela seja a mais baxa, e esquecida das Matematicas, e tratada somente por ingenhos grosseiros e pouco polidos, poderá mui asinha acontecer que a rudeza da materia tragua conmsiguo a Vossa Alteza alguma cousa nova e aprazivel, a qual inda nam seja chegada a sua noticia.

    Dom João de Castro, PRIMEIRO ROTEIRO DA COSTA DA ÍNDIA DESDE GOA ATÉ DIO NARRANDO A VIAGEM QUE FEZ O VICE_REI D. GARCIA DE NORONHA EM SOCORRO DESTYA ULTIMA CIDADE, 1538-1539, Segundo manuscrito autógrafo, Porto Typograp0hia Commercial Portuense, 1843, pp. III-V.

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