terça-feira, 15 de abril de 2014

Sempre fui um mau turista. Vitorino Nemésio

Intitulei-os [o autor refere-se a textos poéticos produzidos por si quando, em meados dos anos 30  residiu em Bruxelas e exerceu a docência na Bélgica] Expresso Bruges-Coimbra, porque me saíram de uma rápida viagem, no retorno, a Knock-le-Zut, a pretexto de de um congresso de poetas, e incluí-os no meu volume de versos Nem Toda a Noite a Vida. Bruges-Coimbra - por atar dois nomes de cidades europeias lendárias: a nossa, que vivi tão fundo; a belga, que senti passo a passo e ainda assim muitos anos depois da navette que naturalmente fazia, como professor da Universidade de Bruxelas, entre a capital e Antuérpia.
Mas sempre fui mau turista, deixando perder as ocasiões, e, com eles as proximidades. Talvez até porque o viajar concreto, no poeta, tende ao reconhecimento ou à recognição de itinerários prévios, de viagens imaginárias.

Vitorino Nemésio, "Evocação", in Panorama, n. 16/IV série, Dezembro de 1966.
Publicado também Em Criticas Sobre Vitorino Nemésio, coord. de António C. Lucas. Lisboa, Livraria Bertrand, 1974, p. 62-63.

1 comentário:

  1. CARTA DE BRUGES

    Por vós me foi mandado em vosso regimento, que depois que fosse em esta terra vos fizesse um escrito de avisamento, tal como o outro que me vós destes. E a mim parece, senhor,[...] que mais via de que me maravilhar e que desejava de seguir que coisas que pudesse para emenda avisar.
    [...]
    Primeiramente, falando da Fortaleza por que os reinos são defesos e acrescentados, a mim parece que no vosso não têm dela cuidado, mas antes há aí muitos azos por que de todo faleça. Porque a fortaleza, depois da ajuda de Deus e dos bons corações, está na multidão de gente em ser bem corregida. E em quantas mestrias se buscam em vossa terra, para os que em ela são se irem para outra e os que em ela não são haverem mui pequena vontade de se irem para ela?
    [...]
    A Justiça, senhor, que é outra virtude que me parece que não reina nos corações daqueles que têm cárrego de julgarem em vossa terra, afora no do senhor rey e no vosso; e se mais são, eu não sou certo. E ainda me parece, senhor, que esta Justiça que assim é em vossos corações não sai de lá fora como devia sair, porque não somente vós deveis querer que em toda vossa terra se guardasse a todos direitura, mas ainda ordenardes como se fizesse. E isto seria ordenando que os que houvessem de ter cárrego de vossa Justiça fossem bons e temessem mais a Deus que a vós e mais de perderem a vossa mercê que todas as outras afeições nem proveitos mal agenciados.
    Quando estes servissem como deviam recebessem conhecidos galardões e os que fizessem o contrário e vós disso fôsseis certo, como agora sois e fostes de alguns outros, não escaparem de alguma pena. [...] Parece-me, senhor, que a Justiça tem duas partes: uma, de dar a cada um o que é seu e a outra de lho dar sem delonga. E ainda que eu cuide que ambas em vossa terra igualmente falecem, da derradeira sou bem certo. [...] eu vejo em vossa corte muitos oficiais de Justiça e de todos eles sair poucos desembargos. [...]

    Vosso irmão e servidor
    infante dom Pedro

    IN LIVRO DOS CONSELHOS DE EL-REI D. DUARTE,Lisboa, editorial Estampa, 1982, pp. 27-39. (grafia alterada),

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