terça-feira, 29 de abril de 2014

Posso seguir viagem a teu lado? Haruki Murakami

- Tenho um favor a pedir-te - diz.
- Um favor?
- Posso seguir viagem a teu lado até chegarmos a Takamatsu? Não consigo descontrair-me quando vou sentada sem ninguém ao pé. Imagino sempre que vai aparecer alguém esquisito que se senta ao meu lado e depois já não consigo dormir. Quando comprei o bilhete disseram-me que eram tudo lugares separados, mas ao entrar vi logo que eram duplos. Preciso de passar pelas brasas antes de chegarmos, e tu pareces ser um tipo simpático. Pode ser?
- Não tem problema.
- Obrigado - diz ela. - "Em viagem, companhia, na vida, compaixão", como diz o ditado.

Haruki Murakami, Kafka à Beira-Mar, Alfragide, Leya, 2014, p. 30

2 comentários:

  1. Eis uma boa razão para não viajar: falta de companhia apropriada!

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  2. JÚLIO VERNE: O BALÃO DA LIBERDADE

    - E agora vamos subindo?
    - Não. Pelo contrário, vamos descendo!
    - Ainda pior, Sr. Cyrus! Vamos a cair.
    - Valha-nos Deus! Mais lastro fora!
    - Lá vai o último saco!
    - E o balão sobe?
    - Qual!
    - Parece-me ouvir como que um marulhar de vagas!
    - É que a barquinha paira sobre o mar!
    - Decerto não estamos a mais de quinhentos pés da superfície da água.
    E neste momento uma voz possante pronunciou as seguintes palavras, que cortaram, retumbando, as solidões do ar:
    - Fora com tudo o que pese! Tudo! E valha-nos a misericórdia divina!
    Tais foram as palavras que estrondearam sobre o vasto deserto de águas do Pacífico, no dia 23 de Março de 1865, pelas quatro horas da tarde.
    Ninguém por certo esqueceu ainda o terrível furacão de nordeste, que se desencadeou em meio equinócio daquele ano, e durante o qual o barómetro desceu a setecentos a dez milímetros. Foi um verdadeiro ciclone, que durou sem interrupção desde o dia 18 até ao dia 26 de Março. [...]
    Os homens que o furacão arrojara à costa não eram nem aeronautas de profissão, nem sequer amadores de expedições aéreas. Eram cinco prisioneiros de guerra que, levados por singular audácia, tinham conseguido fugir em circunstâncias extraordinárias. Em cem lances correram risco iminente de perecer! Cem vezes o balão rasgado deveria tê-los arrojado ao abismo! O céu, porém, reservava-os para estranhos destinos e, no dia 20 de Março, aqueles fugitivos de Richmond, cercada pelas tropas do general Ulisses Grant, estavam a sete mil milhas da capital da Virgínia, primeira praça de guerra dos separatistas, durante a terrível guerra da Secessão. A navegação aérea durara cinco dias.

    Júlio Verne, A ILHA MISTERIOSA I, trad. de Henrique de Macedo, Lisboa, Livraria Bertrand, 1974, pp. 9 e 18.

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