sexta-feira, 11 de abril de 2014

Errante aqui e ali. William Shakespeare

CX
Ai de mim, é verdade, errante aqui e ali
truão me viram todos, vendi ao desbarato
o que mais caro tinha, meu íntimo despi,
de novas afeições fiz velho desacato.
E ainda mais verdade é que olhei a virtude
alheado e indif'rente: mas ao coração deram
tais desvios ao fim uma outra juventude
e que me és todo o amor ensaios pior's disseram.
Toma o que não acaba. Fiz o que fiz. Prometo:
Não mais hei-de aguçar este meu apetite
de nova provação dar ao antigo afecto,
Deus deste amor que quero agora me limite-
Pois dá-me então guarida, ó meu céu mais perfeito,
dentro desse teu puro e desvelado peito.

Vasco Graça Moura, Dezassete Sonetos de Shakespeare, com um desenho de José Rodrigues. Porto, O Oiro do Dia, 1977, p. 9.

2 comentários:

  1. Da promessa assim dita não duvido.
    Pois decorre de uma descoberta de si, de uma consciência própria

    Tão bonito que soa! Mesmo em tradução. A cópia e o original, um caso sério de compatibilidades e de invenções. A palavra certa, qual será?.

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  2. ERROS MEUS, MÁ FORTUNA., MUNDO VIL

    Cantei e choro agora, e a doçura
    não é menor no choro que no canto;
    que à causa, não a efeitos, vai portanto
    o meu sentir ansioso só de altura.

    Assim, é a dureza ou a cordura,
    ou gesto fero, humilde e cortês, quanto
    a par suporto; e a pesos não quebranto,
    nem desdéns me penetram na armadura.

    O estilo do costume usem comigo
    Amor, dama, fortuna, mundo vil;
    que nunca penso ser senão feliz.

    Que ou viva, ou morra, ou sofra, não lobrigo
    sob a lua um estado mais gentil;
    tão doce deste amargo é a raiz.

    Petrarca, AS RIMAS, Tradução de Vasco Graça Moura, Lisboa, Bertrand, 2003, p. 607.

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