quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Paragem demasiado breve para beber um copo. Georges Simenon

O comboio saíra de Groninga há um quarto de hora. Como eram quatro horas e meia e já anoitecia, não se dispunha do recurso do olhar pela portinhola. Kess Popinga estava instalado num compartimento de segunda classe com duas outras pessoas: um homenzinho magro que devia ser oficial de diligencias ou ajudante de tabelião e, no canto oposto, uma mulher de certa idade, de luto pesado.
A mão de Kess, metida numa algibeira, encontrou por acaso uma pequena agenda encadernada em marroquim vermelho, dourada nos topos das folhas, que ele comprara por um florim a fim de aí anotar  as suas partidas de xadrês mais difíceis.
O gesto nada tinha de extraordinário. Kess estava absolutamente inactivo. Na agenda, ainda só havia duas partidas anotadas, ou seja, duas páginas cobertas de sinais convencionais.
Então, aconteceu que ele pegou no lápis metido na encadernação e escreveu:
- Saí de Groninga no comboio das 16h07.
Em seguida, tornou a enfiar a agenda no bolso, só a retomando após a estacão de Sneek para acrescentar:
- Paragem demasiado breve para beber um copo.
Ora, muito mais tarde, esta agenda, estas notas iriam servir aos alienistas para estabelecer que, desde a sua partida de Groninga, ele estava louco!

Georges Simenon, O Homem Que Via Passar os Comboios. Lisboa, Dom Quixote, 2002, p. 35.

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