domingo, 22 de setembro de 2013

No Alandroal. Com José Leite de Vasconcelos

Na Páscoa de 1915 e em Maio de 1916, o director do Museu Etnológico Português, José Leite de Vasconcelos, viajou até ao Alentejo, a convite de amigos seus, com o objectivo de recolher artefactos para a instituição que dirigia. Visitou Alandroal, Évora, Vila Viçosa, Estremoz, Campo Maior, Elvas e Redondo. Dessa viagem e do que dela resultou para o acervo do Museu, deixou-nos um relatório circunstanciado (que há dias adquiri num alfarrabista): Entre Tejo e Odiana, Lisboa, Imprensa Nacional, 1917 (Separata de O Arqueólogo Português, XXI, n. 1-12 de 1916.

Um trecho deste relato (p. 12)

4 de Abril de 1915 - Neste dia, que era Domingo de Páscoa, proporcionou-me o Sr. Belo e sua Ex.ma esposa, a Sr.a D.a Mariana de Sousa Rosado Belo, uma útil e agradável excursão à aldeia do Rosário. Saímos do Alandroal, depois do meio-dia, e tomámos a estrada municipal, aos pedaços ladeada de eucaliptos e de olaias floridas. De uma e outra  banda avistam-se montes, que com a sua cal branca vivificam a paisagem, de si muito nua.
Parámos em alguns, à procura de objectos que pudessem servir para o Museu. Já noutros meus trabalhos me tenho referido à limpeza e arranjo do interior das casas alentejanas: na sala de entrada vê-se sempre uma mesa enfeitada com bugigangas artísticas; das paredes pendem quadros ou espelhos; a cozinha é um museu de Etnografia: faiança colorida (geralmente da fábrica coimbrã), estendida com o arame num friso ou cimalha, que umas vezes faz parte do pano da chaminé, outras está fronteiro a ela; a cantareira (ou conjunto de louça comum, disposta por tamanhos no poial dos cântaros, e detrás destes); a estanheira; o copeiro recortado; a garfeira; uma mesinha baixa para a comida; bancos de troncos de árvores (chamados cavalos ou burros); tropeços de cortiça no chão para as crianças se sentarem ao lume. Este alinhamento físico está de acordo com o caracter dos Alentejanos, de ordinário pautados e sinceros no que dizem e fazem. Uma cantiga popular sintetiza perfeitamente as duas qualidades a que me refiro:
Nas terras do Alentejo
É tudo tão asseado!
As casas e os corações
Sempre tudo anda lavado!

2 comentários:

  1. A folha da oliveira (bis)
    Não é larga nem comprida. (bis)
    Nela se pode escrever (bis)
    A história da minha vida
    Não é larga nem comprida.

    "Saias", Cancioneiro Popular Português, Alto Alentejo

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  2. Uma vez, no Alentejo, vendo uma alentejana a varrer e a lavar a rua à frente de sua casa, perguntei-lhe: "Então a senhora é que faz a limpeza da rua?" Ao que ela me respondeu prontamente: "Lixo que limpamos na rua não nos entra em casa!" Sabedoria popular, bem lógica, por sinal.

    É muito interessante esta atenção de Leite de Vasconcelos às pequenas coisas, aos artefactos que aos olhares comuns passariam despercebidos. E ainda mais interessante reparar como ele inverte a ordem das coisas, por assim dizer: não é o museu de etnografia que se parece com as cozinhas mas o inverso.

    Linda a quadra final: um tributo à mulher do Alentejo à boa e simples maneira popular. E digo à mulher porque os homens no Alentejo não mexem uma palha quanto à casa e ao respetivo asseio.

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