sábado, 7 de dezembro de 2013

Parados, de mão dada. David Mourão-Ferreira

Secreta viagem

No barco sem ninguém, anónimo e vazio, 
ficámos nós os dois, parados, de mão dada...
Como podemos só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!

Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa...
Que figura de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre as nossas mãos, o verde mar se escoa...

Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós  olhamos, sem ver, a longínqua miragem...
Aonde iremos ter? - Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!

Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos.
- Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos.

David Mourão-Ferreira, Obra Completa. Lisboa, Presença, 2006, p. 44.

2 comentários:

  1. E EIS_NOS INTERDITOS

    Vieste caminhando sobre as ondas,
    sobre as ondas de um mar inesperado,
    o dos dias do sarro e da caliça.

    Chegaste a uma praia, ao litoral
    que nem tu conhecias, e onde eu estava,
    onde os meus braços se abriram como concha
    quando ia naufragar até ao fundo
    perdendo pé, e ar, e qualquer força.

    Vieste, e eis-nos interditos, iminentes
    sobre um campo de papoilas de outros tempos.
    E tens-me sem palavras além destas,
    que não dizem, porém, o som total.

    Pedro Taman, RUA DE NENHURES, Lisboa, Pub. DOM QUIXOTE, 2013, p. 17.

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  2. Sem que nada tenha a ver com este post, mas porque foi assunto do dia de hoje: Manoel de Oliveira fez 105 anos; Nadir Afonso morreu aos 93 anos.Sem ter chegado a inaugurar Boticas, em Chaves. Que sentido tem tudo isto?E porque é que há de ter sentido?

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