quinta-feira, 4 de abril de 2013

A finalidade da Natureza. F. Hegel


Tinha 25 anos Hegel quando, em 1797, seno preceptor em Berna, na Suíça, fez uma incursão nos Alpes. Dessa experiência de viagem pela montanha deixou um testemunho que viria a ser publicado pela primeira vez em 1844, 13 anos após a sua morte.

A partir de Guttannen, o caminho é cada vez mais selvagem, deserto e uniforme. Aqui e ali avistamos as montanhas cobertas de neve. O solo, mais regular, forma por vezes um vale estreito obstruído por enormes blocos de granito. O Aar apresenta grandiosas quedas de água que caem com uma força assustadora. Por cima de uma dessas quedas, foi lançada uma ponte impressionante na qual somos atingidos pelos salpicos da água. Vemos de perto o curso poderoso da torrente que se lança sobre as rochas; resistem estas, sem que que se compreenda como podem opor-se a uma tal violência. Em parte alguma nos é dada uma noção tão pura da necessidade natural como a do curso das massas de água deitadas sobre as rochas; curso eternamente contínuo e sem que se lhe anteveja um fim. Mas cremos que os lados das rochas se têm vindo, pouco a pouco, a arredondar. Apercebemos-nos igualmente de que a vegetação sofre cada vez mais os efeitos da maldição de uma natureza despida de calor e de energia. Já não encontramos abetos, nada a não ser pequenos arbustos atrofiados, uma erva miserável, ou alguns lariços ou ciprestes. Gencianas crescem com abundância num terreno. Uma família colhe as suas raízes e ferve-as para obter água de genciana. Esta família vive aqui no Verão, completamente à margem de outros homens; construiu a sua destilaria debaixo de blocos de granito que a natureza acumulou sem finalidade e que formam uma torre. Os homens usam essa disposição acidental. Duvido que até um teólogo, mesmo o mais crente, ousasse atribuir à natureza, nestas montanhas, a finalidade de uma utilidade para o homem, pois este tem de, arduamente, extrair desta natureza a magra utilidade que ela proporciona; e viverá na dúvida sobre se as suas magras rapinas de um punhado de erva não provocará derrocadas; nunca estará certo de que a obra miserável realizada com as suas mãos, a sua pobre cabana e o seu estábulo, não sejam destruídos numa noite. Nestes desertos solitários, homens cultivados teriam podido inventar todas as teorias e todas as ciências, mas não teriam podido elaborar esta parte da teologia física que prova ao orgulho humano que a natureza tudo preparou para o seu gozo e bem estar. Um orgulho bem característico da nossa época, pois o homem tira mais satisfação da ideia de que um ser estrangeiro tudo fez por ele do que da consciência de que foi ele que colocou toda a finalidade na natureza.

G. E. F. Hegel, Journal d'un voyage dans les Alpes bernoises (du 25. Au 31 Juillet 1796). 2.a edição. Grenoble, Éditions Jérôme Millon, 1997. P. 74-75.

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