segunda-feira, 3 de junho de 2013

Viajo até à minha janela. Almeida Garrett

Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de inverno, em Turim, que é quase tão frio como S. Petersburgo - entende-se. Mas com este clima, com este ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia até o quintal.
Eu, muitas vezes, nestas sufocadas noites de estio, viajo até à minha janela, para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me enganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa infância nos entulhos do Cais do Sodré. E nunca escrevi essas minhas viagens nem as suas impressões: pois tinham muito que ver! Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e soberba, quer assunto mais largo. Pior hei-de dar-lho. Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir, se há-de fazer crónica. 

Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra. Porto, Livraria Chardron, s/S. 3a edição. p 1-2.

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