quinta-feira, 6 de junho de 2013

Esta contradição da espécie humana merece que a examinemos. Voltaire

O senhor Husson falou-me ontem das suas viagens: com efeito, passounvraios anos nos portos e cidades do Império Otomano, esteve na Pérsia, permaneceu muito tempo nas Índias e viu toda a Europa.
- Reparei - disse-me - que há um número prodigioso de judeus que esperam ao Messias, e que se deixam empalar de preferência a admitir que ele já veio. Vi mil turcos persuadidos de que Maomé guardara metade da lua na manga. A arraia-miúda, de uma ponta à outra do mundo, crê firmemente nas coisas mais absurdas. No entanto, se um filósofo que tenha um écu o partilhar com o mais imbecil desses infelizes em que a razão humana está tão horrivelmente obscurecida, a verdade é que, se houver um soldo a ganhar, o imbecil o arrebatará contra o filósofo. Como podem as toupeiras, tão cegas acerca das mais altas questões, serem verdadeiros linces relativamente às mais insignificantes? Por que razão o mesmo judeu que vos degola na sexta-feira não quererá roubar um vintém, no dia do sabbat? Esta contradição da espécie humana merece que a examinemos.
E eu respondi, perguntando ao senhor Husson:
- Não é verdade que os homens são supersticiosos por hábito e ardilosos por instinto?
- Meditarei nisso - disse-me -, parece-me uma ideia realmente boa.

Voltaire, Diálogo da Franga e do Frango. Lisboa, Arbor Litterae, 2010, p. 37-38

1 comentário:

  1. "Existem duas alavancas para mover os homens: interesse e medo."

    Napoleão Bonaparte

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