terça-feira, 29 de outubro de 2013

"Não lhe apetecia sair do seu canto senão para uma grande cidade". Vitorino Nemésio

Carta a José Régio

Muitas vezes, nesta Montpellier de Rabelais, de Valéry, de Stendhal e de Gide, me tenho lembrado de um dito de V.: que lhe não apetecia sair do seu canto senão pª uma grande cidade. Eu temia também um meio ronceiro como os nossos (Coimbra, «sua mulher», posta de parte), e não digo que isto seja uma Atenas, nem creio que Atenas nos convenha. Mas há nesta borda de França, que foi aragonesa e ainda é mediterrânica, não sei que mistura de campo e de metrópole que nos toca as cordas por mais tempo guardadas no estôjo...; estou em dizer que cordas novinhas em fôlha. A Alexandria dos compêndios de história universal talvez fôsse um pouco como isto. [...] Na pensão do «Bernardo» acotovelava-me com arménios, roménos, siameses, egipcianos [...]; na Cité Universitaire tinha chins, e até neste admirável Scots College já tive uma lição de chinês e tenho romenos da Bessarábia, bilingües de russo; ditos da Transilvânia, húngaros de garganta; um russo branco que estuda sânscrito e sacha todo o dia; uma girafa do Canadá; suíços alemãis e franceses; um hindú, um escossês, um catalão e um espanhol de Alicante.

[Carta], 1934 Maio 21, Montpellier - Collège des Écossais, [a] José Régio, [s.l.] / Vitorino Nemésio. – [4] p. em [2] f. ; 30 cm
Autógrafo assinado (fotocópia), original em Vila do Conde no Centro de Estudos Regianos.
Esp. JR (C. M.Vila do Conde)

2 comentários:

  1. Possivelmente foi esse o "mal" de José Régio. Não saíu do "seu canto", e penso que pouco o trocou por "uma grande cidade", por apetecível que lhe parecesse.

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  2. O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL

    1.
    "Nas nossas ruas, ao anoitecer,
    Há tal soturnidade, há tal melancolia,
    Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
    Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

    [...]

    Batem os carros de aluguer, ao fundo,
    Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
    Ocorrem-me em revista exposições, países:
    Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!
    [...]"
    Cesário Verde, POESIA COMPLETA, Lisboa, Pub. Dom Quixote, 2001, p.123.

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