sexta-feira, 5 de julho de 2013

No Rio. Crónica sobre a mobilidade

A edição de hoje, dia 20 de Junho, da revista Veja, que se edita em São Paulo, chamava a titulo da capa "Os sete dias que mudaram o Brasil", antecedido de uma impressiva chamada de atenção: "Edição histórica". Nestes sete dias, um número que se estima superior a 1 milhão de brasileiros manifestou-se nas principais cidades brasileiras, em moldes até aqui inéditos. As manifestações aparentemente não tiveram enquadramento político nem sindical, foram convocadas através das redes sociais e outras formas de comunicação que recorrem à internet e ao telemóvel.
Os manifestantes empunharam cartazes com reivindicações muito díspares, o que dificultou a leitura dos objectivos centrais do movimento. É possível, no entanto, detectar alvos comuns nos protestos: a deficiente cobertura e qualidade dos serviços públicos, a corrupção e a sua impunidade, os gastos excessivos com obras de reduzido alcance social, como as da Copa do Mundo, por cuja realização o Brasil terá a responsabilidade em  2014. Mas o rastilho que incendiou as ruas contra o poder político foi o aumento do preço das passagens de ónibus, ou seja de um dos mais utilizados meios de transporte de massas suburbano no Brasil.
Aterrei no Rio de Janeiro exactamente no primeiro dia dos 7 que a Veja indicia, talvez apressadamente, numa mudança do país. Durante esta semana cruzei a cidade, de taxi, metro e combóio, visitei zona sul e zona norte, bairros ricos e de classe média, do centro antigo e áreas faveladas. Pelo que me pude aperceber, o protesto tem pouco que ver com o preço do bilhete no consumidor, pois o pagamento do transporte dos trabalhadores está a cargo dos empregadores e uma extensa tipologia de utentes goza de isenções ou reduções. O que de facto esteve em causa foi a qualidade do serviço de transporte.
Esta, pude verificar directa e indirectamente, é muito baixa. O investimento na modernização das infraestruturas e equipamentos da rede ferroviária, por exemplo, tem sido nulo e os cidadãos que habitam na periferia do Rio, a maioria, gasta 4 a 6 horas na viagem casa-emprego, emprego-casa.
Será esse o destino inexorável das grandes cidades, das megapolis (a cidade do Rio tem cerca de 6,5 milhões de habitantes)?
As grandes cidades europeias exibem com orgulho a sua evolução positiva nos últimas décadas: recuo do transporte baseado no automóvel familiar movido a gasóleo ou gasolina, diminuição do tempo médio de deslocação centro-periferia. Pelo contrário os indicadores das grandes cidades dos países sul-americanos, africanos e asiáticos mostram uma tendência inversa.
O arquitecto Sérgio Magalhães, presidente do Instituto dos Arquitectos Brasileiros, apontava, na edição do Globo de ontem, o dedo à ausência de planeamento urbano. A  falta de investimento continuado no transporte publico explica o resto. Uma activista das manifestações desta semana deixou-se fotografar com o seguinte cartaz: "País desenvolvido não é onde pobre tem carro, é onde o rico anda de transporte público!!!"

[Texto publicado no semanário Região de Leiria a 5 de Julho de 2013]


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